A floresta amazônica é considerada um gigantesco e complexo laboratório natural, composto pela maior biodiversidade vegetal e animal do planeta [1, 2]. Ela abriga cerca de 40.000 espécies de plantas, mais de 400 espécies de mamíferos e em torno de 1300 espécies de aves, além de uma incomensurável quantidade de espécies de invertebrados e micróbios [3]. A bacia amazônica possui uma área estimada de 6,7 milhões de km2, abrangendo diversos países e territórios ultramarinos, dentre eles, Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Suriname, Guiana e Guiana Francesa [4]. A maior parte da floresta amazônica encontra-se no Brasil, de aproximadamente 62%, com uma área de aproximadamente 5,02 milhões de km2, o que, em termos quantitativos, representa quase a metade do território brasileiro [5].
A Amazônia é uma das regiões de maior diversidade cultural do planeta, sendo lar de centenas de povos originários, cada um com sua própria língua, costumes, conhecimentos tradicionais e modos de vida intimamente ligados ao ecossistema florestal [6]. Essas comunidades desempenham um papel fundamental na preservação da biodiversidade e na manutenção do equilíbrio ecológico da floresta, uma vez que seu conhecimento ancestral sobre plantas medicinais, manejo sustentável dos recursos naturais e práticas agrícolas adaptadas à floresta contribui para a resiliência socioambiental da região [7, 8]. Um exemplo importante, dentre incontáveis outros, do papel dos povos originários na bacia amazônica é a característica do solo conhecida como terra preta de índio [9]. Esse tipo de solo fértil, encontrado em diversas áreas da Amazônia, é resultado de práticas agroecológicas indígenas realizadas ao longo de milênios [10,11]. A terra preta é caracterizada por sua elevada concentração de matéria orgânica, carvão pirogênico, fragmentos de cerâmica e resíduos biológicos, tornando-se extremamente rica em nutrientes essenciais para a agricultura.
Diferente dos solos amazônicos naturais, que são geralmente pobres em nutrientes devido à alta lixiviação — processo no qual a água da chuva dissolve e transporta minerais e nutrientes para camadas mais profundas do solo, reduzindo sua fertilidade —, a terra preta retém sua fertilidade por séculos e tem sido objeto de estudos sobre sustentabilidade e recuperação de áreas degradadas. Além disso, pesquisas indicam que esse solo é um dos primeiros exemplos de engenharia ecológica, demonstrando o conhecimento avançado das populações originárias sobre a gestão do ambiente e a melhoria da produtividade agrícola sem comprometer a floresta [12]. No entanto, esses povos enfrentam desafios crescentes devido ao desmatamento, à exploração ilegal de recursos e às mudanças climáticas, ameaças que impactam não apenas suas formas de vida, mas também o equilíbrio dos ecossistemas amazônicos [13].
A Amazônia é uma das poucas regiões continentais do planeta em que a atmosfera de sua região central se aproxima de condições sem impacto antropogênico no período das chuvas, compreendido entre fevereiro e maio [14]. Isto significa que a maior parte das interações entre biosfera e atmosfera consiste em processos naturais, ou seja, sem a direta interferência antropogênica. Estudos mostram que essa condição de atmosfera é aproximadamente similar àquela encontrada nos períodos pré-revolução industrial, especialmente no que se relaciona às baixas concentrações de materiais particulados, denominados aerossóis atmosféricos [15].
É importante ressaltar que esses aerossóis podem ser classificados em duas categorias principais: primários e secundários [16]. Os primários são emitidos diretamente por fontes naturais, como esporos de plantas e poeira do solo, ou por atividades humanas, como queima de combustíveis fósseis e processos industriais. Já os aerossóis secundários se formam na atmosfera por meio de reações químicas entre gases precursores, como compostos orgânicos voláteis (alguns exemplos são o isopreno e o monoterpeno, compostos muito emitidos pela vegetação) e óxidos de enxofre e nitrogênio. Os aerossóis apresentam uma grande diversidade de composições químicas, podendo conter sulfatos, nitratos, carbono orgânico, carbono negro (amplamente conhecidos como black carbon, BC), poeira mineral, dentre muitos outros. Essa variabilidade na composição química influencia diretamente suas propriedades ópticas e seus impactos radiativos, determinando se eles atuam predominantemente como dispersores da radiação solar (resfriando a atmosfera) ou como absorvedores (contribuindo para o aquecimento).
No ecossistema amazônico, a distribuição de aerossóis é fortemente dependente da localidade, variando conforme fatores como proximidade de fontes de emissão, padrões de circulação atmosférica e sazonalidade [17, 18]. Em áreas mais preservadas, os aerossóis são predominantemente de origem biogênica, formados a partir da emissão de compostos orgânicos voláteis por vegetação e processos naturais. Em locais distantes da atividade humana, como no Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO), a concentração numérica de partículas durante os períodos de atmosfera mais limpa, o que ocorre durante a estação chuvosa, pode chegar a 250 – 300 partículas cm−3, e a concentração em massa da ordem de 2 μg m−3 [17, 19]. Isto permite, por exemplo, investigações de processos que controlam a geração e os impactos de gases e aerossóis no ecossistema. Deve-se mencionar também que a bacia é conhecida como oceano verde (na literatura, o termo em inglês Green Ocean é amplamente usado), devido às similaridades nas concentrações de partículas e gases e na microfísica de nuvens com regiões oceânicas remotas [15, 20].
Já em regiões impactadas pela atividade humana, como áreas próximas a centros urbanos e ao longo do arco do desmatamento, observa-se um aumento significativo na concentração de aerossóis de origem antrópica, provenientes da queima de biomassa, transporte e atividades industriais. Na porção sudoeste da Amazônia, por exemplo, a concentração em massa de aerossóis com diâmetro aerodinâmico de até 2.5 μm (fração das partículas conhecida como PM2.5) varia entre 10 e 30 μg m−3, com concentrações numéricas entre 700 e 20000 partículas cm−3, nas estações chuvosa e seca, respectivamente [17]. O contraste entre ação humana e ecossistema natural é gigantesco.
A bacia amazônica exerce tamanha influência na atmosfera a ponto de ser considerada um reator biogeoquímico, regulando os processos climáticos regionais. A floresta estoca cerca de 123 petagramas (1015g) de carbono (Pg C) de biomassa em sua superfície e no solo [21, 22]. Suas emissões biogênicas, combinadas com vapor de água e a intensa radiação solar, tornam a atmosfera amazônica uma região particularmente susceptível às mudanças em sua composição. Isso significa, por exemplo, que a formação de nuvens através dos processos de evaporação e convecção e sua eventual precipitação estão atreladas à quantidade de gases e aerossóis na atmosfera, o que regula o ciclo hidrológico da bacia. Além disso, a interação entre aerossóis naturais, como os biogênicos emitidos pela vegetação, e aerossóis de origem antrópica, provenientes da queima de biomassa e da poluição urbana, pode modificar as propriedades microfísicas das nuvens, influenciando sua formação, duração e intensidade da precipitação [5]. Assim, alterações na composição atmosférica da Amazônia podem impactar não apenas o clima regional, mas também o balanço energético e os padrões climáticos de larga escala.
O ciclo hidrológico da Amazônia desempenha um papel crucial na manutenção da umidade em diversas regiões da América do Sul, através do fenômeno conhecido como rios voadores [23, 24]. Esses fluxos atmosféricos transportam enormes quantidades de vapor d’água da floresta para regiões ao sul do continente, incluindo o Cerrado e áreas agrícolas do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de partes da Bolívia, Paraguai e Argentina. A evapotranspiração intensa promovida pela vasta cobertura florestal é responsável por alimentar esses rios voadores, garantindo umidade essencial para a formação de chuvas em regiões distantes [25].
Mudanças críticas têm ocorrido na atmosfera amazônica, as quais estão associadas às emissões oriundas de queimadas, adição de novas estradas, mudanças no uso da terra, além da poluição do ar urbana nas proximidades de grandes cidades, como Manaus, com mais de 2 milhões de habitantes [26–28]. Essa adição antrópica de gases de efeito estufa (GEE) e material particulado ao meio afeta diretamente o balanço radiativo atmosférico, o que impacta o ecossistema amazônico [29, 30]. Isto se relaciona com a quantidade e periodicidade de chuvas e com os processos de circulação e transporte de energia associados aos regimes convectivos. O desmatamento e as mudanças climáticas ameaçam diretamente os rios voadores, reduzindo a capacidade da floresta de reciclar a umidade e potencialmente alterando os padrões de precipitação em áreas agrícolas estratégicas.
Além disso, aerossóis e gases oriundos da ação antrópica podem ser transportados para a alta troposfera e se propagar para regiões distantes da emissão, o que ocasiona impactos ambientais e climáticos em diferentes escalas geográficas [31, 32]. Discutiremos ao longo das próximas seções os efeitos das mudanças no uso da terra e da intensificação das mudanças climáticas no clima amazônico, apresentando caminhos possíveis para a redução de danos a médio e longo prazo.
Mudanças no uso da terra e impactos no clima da Amazônia
A Amazônia tem passado por transformações significativas no uso da terra ao longo das últimas décadas, impulsionadas pelo avanço da fronteira agrícola e pela expansão da agropecuária. A Figura 1 apresenta a evolução do desmatamento na região entre os anos de 1985 e 2023, com dados extraídos da plataforma MapBiomas1 [33]. Em 1985, a área de floresta correspondia a 380.456.615 hectares, cerca de 90% do bioma amazônico. No entanto, até 2023, essa área foi reduzida para 77,6% da extensão original do bioma. Paralelamente, a ocupação agropecuária aumentou consideravelmente. Em 1985, essa atividade ocupava 12.905.675 hectares, equivalente a 3% do bioma, enquanto em 2023 a agropecuária passou a representar 15,8% da Amazônia.

Análises complementares foram recentemente discutidas [34], em que se mostrou que o principal motor de transformações no bioma amazônico, em diferentes regiões, é, de fato, a transformação do uso da terra em áreas agricultáveis. Dados históricos mostram que o desmatamento atingiu seu ápice na década de 1990, seguido por uma redução significativa no início dos anos 2000, devido a políticas públicas de conservação. No entanto, desde 2012, o desmatamento e, especialmente, as queimadas na Amazônia voltaram a aumentar, atingindo um total de 8.661.336 hectares em 2023.
O desmatamento na Amazônia segue um padrão característico, geralmente iniciado pela abertura de estradas, que se expandem para dar lugar à exploração agrícola e mineração, criando um fenômeno conhecido como «espinha de peixe» [35]. Esse modelo de ocupação facilita a interiorização da degradação florestal, impulsionando a fragmentação da vegetação e reduzindo a capacidade da floresta de manter sua biodiversidade e funções ecossistêmicas. Um dos principais eixos da expansão do desmatamento é a região do arco do desmatamento, que abrange o sul e leste da Amazônia brasileira, onde a pressão pela conversão da floresta é mais intensa. Essa região tem sido historicamente associada a altas taxas de desmatamento devido à presença de infraestrutura viária, como a rodovia BR-163 e a BR-230, que facilitam o acesso a novas áreas e incentivam a ocupação para atividades extrativistas.
A Figura 2 ilustra a evolução do número de focos de queimadas desde 1998 a 2024 com dados obtidos da plataforma Queimadas2, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) [36]. Ela evidencia três fases distintas na exploração do bioma: um crescimento acentuado até 2005, seguido por uma redução significativa entre 2006 e 2013, e uma retomada gradativa a partir de 2014, culminando em um dos maiores registros da última década em 2024. Essa dinâmica reflete diretamente a influência das políticas ambientais no controle das queimadas, com reduções associadas ao fortalecimento da fiscalização e aumento das áreas protegidas, e o crescimento recente indicando um relaxamento dessas medidas e a intensificação das pressões sobre a floresta.

A conversão de florestas em áreas agrícolas e pastagens tem um impacto profundo nas emissões de GEE, alterando o balanço de carbono e comprometendo a regulação climática global. O Brasil, atualmente o sétimo maior emissor global de GEE, responde por cerca de 3% das emissões totais globais [37]. Diferente de economias industrializadas, onde as emissões são majoritariamente provenientes do setor energético e industrial, no Brasil, a mudança no uso da terra e florestas é a principal responsável, representando 49% das emissões totais em 2021, seguida pela agropecuária (25%) e pela geração de energia (21%). Além disso, a alta do desmatamento, sobretudo na Amazônia, tem intensificado as emissões de GEE no Brasil. Em 2021, o país registrou um aumento de 18,5% nas emissões por mudanças no uso da terra, alcançando 1,19 bilhão de toneladas brutas de dióxido de carbono (CO2) equivalente (GtCO2e), mais do que as emissões de países como o Japão.
A perda de cobertura florestal na Amazônia está diretamente associada à redução da biomassa superficial e à liberação de carbono para a atmosfera [38]. Tem-se observado uma relação direta entre a extensão da floresta e a concentração de biomassa acima do solo, com áreas mais degradadas apresentando menores estoques de carbono por hectare. Essa perda de biomassa compromete a capacidade da floresta de atuar como um sumidouro de carbono, aumentando a concentração de GEE na atmosfera e agravando as mudanças climáticas. Além disso, a degradação do solo é um fator ainda mais relevante do que o próprio desmatamento no que diz respeito às emissões de carbono, sendo responsável por aproximadamente 73% das emissões associadas à mudança no uso da terra, enquanto o desmatamento contribui com 23%.
A degradação florestal ocorre tanto por causas antrópicas quanto naturais, como incêndios recorrentes, extração seletiva de madeira e fragmentação da paisagem. Esses distúrbios, além de comprometerem a capacidade da floresta de estocar carbono, aumentam sua vulnerabilidade a eventos climáticos extremos. Estudos recentes indicam que a degradação já afetou aproximadamente 17% da área original da Amazônia até 2017, indicando que uma grande parcela das emissões de carbono na região pode estar subestimada [39].
Além do desmatamento e da degradação, as transformações no uso da terra em conjunto às mudanças climáticas também impactam diretamente a resiliência da floresta. Projeções indicam que a capacidade de absorção de carbono da Amazônia tem diminuído ao longo dos anos, sugerindo uma possível transição do bioma de sumidouro para fonte de carbono no futuro próximo [40]. Isto, na verdade, pode estar acontecendo neste exato momento, como será mostrado adiante. A resiliência da floresta amazônica é um fator crucial não apenas para a biodiversidade local, mas também para a regulação do clima regional e global. Estudos indicam que mais de 75% da Amazônia já perdeu resiliência desde o início dos anos 2000, com as áreas mais afetadas sendo aquelas que recebem menos precipitação e que estão próximas a atividades humanas intensivas, localizadas mais a leste e ao sul do bioma [41]. Esse declínio na resiliência significa que a floresta está se tornando menos capaz de se recuperar de perturbações, aumentando o risco de colapso em resposta a eventos climáticos extremos e mudanças no uso da terra.
O regime de precipitação na Amazônia tem sido profundamente alterado pela interação entre mudanças no uso da terra e mudanças climáticas globais. O desmatamento extensivo e a degradação florestal comprometem a capacidade da floresta de reciclar a umidade por meio da evapotranspiração, um processo essencial para a formação de chuvas na região e em áreas adjacentes. Como resultado, observam-se tendências de redução da precipitação, particularmente durante a estação seca, agravando os impactos das mudanças climáticas sobre o bioma [42, 43].
A perda de cobertura florestal está diretamente associada à redução da precipitação na Amazônia. O desmatamento altera o equilíbrio atmosférico ao diminuir a umidade disponível, reduzindo a formação de nuvens e alterando os padrões de circulação atmosférica. Pesquisas recentes indicam que as áreas desmatadas há mais tempo apresentam tendências negativas de precipitação durante a estação seca, sugerindo que a idade do desmatamento influencia a capacidade da floresta de sustentar seu próprio ciclo hidrológico [44]. Conjuntamente a isto, tem-se observado que a estação seca está se prolongando em cerca de aproximadamente 13 dias por década, e demora 9 dias a mais por década para terminar, o que compromete a resiliência da floresta e sua capacidade de recuperação [45]. Modelos climáticos sugerem que, caso o desmatamento e o aquecimento global continuem na taxa atual, grandes áreas da Amazônia podem atingir um ponto crítico de aridificação, favorecendo a transição para ecossistemas mais secos e menos produtivos [46, 47]. Esse ponto de não retorno pode ser atingido quando cerca de 20% do bioma for desmatado. No entanto, estudos recentes sugerem que essa limiar pode ser ainda menor do que se estimava anteriormente [48, 49].
É importante ressaltar que a seca extrema de 2023-2024, uma das mais severas já registradas na Amazônia, foi impulsionada pela combinação entre um forte e atípico evento de El Niño e temperaturas anormalmente elevadas no Atlântico Tropical Norte [50]. Essas condições resultaram em um déficit de precipitação de 50 a 100 mm/mês e temperaturas até 3◦C acima da média, levando ao atraso de quase dois meses no início da estação chuvosa. Além disso, essa seca extrema teve impactos socioeconômicos significativos, como a redução dos níveis dos rios a valores históricos mínimos, afetando populações ribeirinhas, transporte fluvial e aumentando o risco de incêndios florestais.
O aumento da temperatura média na Amazônia está diretamente ligado à intensificação do desmatamento e da degradação florestal, tornando o bioma mais vulnerável a eventos climáticos extremos. Dados mostram que em todas as regiões da Amazônia, a anomalia de temperatura está crescendo, com gradientes que variam de 0.1◦C a 0.4◦C por década [46]. Além disso, modelos computacionais têm indicado que a temperatura média cresce com a fração de área desmatada. Áreas com mais de 20% de desmatamento apresentam aumentos significativos na temperatura, enquanto regiões com perdas superiores a 50% podem registrar elevações de até 5◦C.
É importante notar que o aquecimento regional altera os gradientes de pressão atmosférica, impactando os padrões de circulação de umidade e reduzindo a frequência e intensidade das chuvas. Esse fenômeno contribui para a degradação progressiva da floresta, acelerando a perda de resiliência do ecossistema e aproximando a Amazônia do seu ponto de não retorno, onde as condições climáticas tornam inviável a regeneração da floresta, favorecendo a transição para uma paisagem mais seca e suscetível a incêndios recorrentes.
A relação entre emissões de GEE, precipitação e mudanças no uso da terra na Amazônia evidencia um ciclo de retroalimentação que compromete a estabilidade climática regional e global. Estudo recente mostrou que as mudanças no uso da terra na Amazônia, especialmente o desmatamento mais intenso à leste do bioma, têm resultado em fluxos de carbono significativamente maiores, tornando essa região uma fonte líquida de carbono para a atmosfera [51]. A precipitação na estação seca diminuiu 24% a 34% no leste, enquanto a temperatura aumentou 1,86◦C a 2,54◦C, intensificando o estresse hídrico e reduzindo a capacidade fotossintética da floresta. A Amazônia ocidental, apesar de relativamente menos impactada pelo desmatamento (11% da área total) e de apresentar um balanço de carbono mais equilibrado, registrou uma redução de 20% na precipitação da estação seca e um aumento de temperatura mais moderado, entre 1,6◦C e 1,9◦C.
Além disso, o avanço da degradação em terras indígenas (TIs) na Amazônia brasileira tem se tornado um fator crítico. Um trabalho recente apontou que o desmatamento dentro das TIs aumentou 129% entre 2013 e 2021, com uma intensificação de 195% no período de 2019-2021 [52]. Essa expansão foi acompanhada por um avanço de 30% da fronteira de desmatamento para o interior dessas áreas, agravando as emissões líquidas de carbono, que totalizaram 96 milhões de toneladas de CO2 ao longo do período analisado. O impacto climático desse desmatamento crescente se soma à redução da precipitação e ao aumento da temperatura observados na região, reforçando a vulnerabilidade da floresta a ciclos de retroalimentação negativos que podem comprometer sua resiliência e sua função como sumidouro de carbono.
Aerossóis atmosféricos e impactos climáticos na Amazônia
As mudanças no uso da terra, a redução da precipitação, o aumento das temperaturas e o crescimento do número de focos de incêndio têm levado a um aumento significativo na quantidade de aerossóis atmosféricos. Esse efeito é observado na Figura 3, na qual foram utilizados dados de seis diferentes sítios amazônicos (Alta Floresta (MT), Rio Branco (AC), Cuiabá (MT), Ji-Paraná (RO), Santarém (PA), Manaus (AM) e ATTO (AM)), pertencentes à rede AERONET(Aerosol Network ) da NASA (National Aeronautics and Space Administration)3 [53].
A Figura 3 apresenta a variabilidade temporal da profundidade óptica dos aerossóis (AOD) a 500 nm em diferentes locais da Amazônia, destacando sua forte sazonalidade ao longo dos últimos quase 25 anos. A AOD é uma medida da quantidade de partículas em suspensão na atmosfera que interagem com a radiação solar, influenciando diretamente o balanço energético da Terra. Valores elevados de AOD indicam uma alta concentração de aerossóis na atmosfera, geralmente associada a queimadas e emissões naturais ou antropogênicas, enquanto valores baixos refletem uma atmosfera mais limpa, com menos partículas em suspensão [16].

A figura apresenta um padrão sazonal bem definido, com picos recorrentes de AOD durante a estação seca, especialmente em regiões mais impactadas pelo desmatamento e queimadas, como Alta Floresta, Rio Branco e Cuiabá, sítios estes localizados no arco do desmatamento. Durante a estação chuvosa, os valores de AOD caem significativamente, refletindo a remoção de aerossóis pela precipitação intensa, que age como um mecanismo natural de limpeza da atmosfera [5].
A relação entre o aumento do número de focos de queimadas na Amazônia, evidenciado na Figura 2, e a variabilidade temporal da AOD mostrada na Figura 3 é notável. A partir de 2013, observa-se uma retomada no crescimento do número de queimadas, o que coincide com picos mais intensos de AOD durante a estação seca em diversos sítios amazônicos. Esse padrão reforça a forte influência das emissões da queima de biomassa na carga de aerossóis atmosféricos. Além disso, um aspecto particularmente relevante é a anomalia registrada em 2024, que apresenta valores de AOD extremamente elevados e atípicos, comparáveis apenas aos anos de 2005 e 2007. Esses anos foram marcados por secas severas na Amazônia, associadas a eventos de El Niño, que intensificaram queimadas e reduziram a capacidade da floresta de remover aerossóis da atmosfera por meio das chuvas. O padrão observado em 2024 está diretamente relacionado à seca extrema registrada na região, discutida anteriormente, reforçando o impacto das mudanças climáticas e da degradação ambiental na qualidade do ar e no balanço radiativo da Amazônia.
Trabalhos recentes indicam, inclusive, que esses particulados também influenciam diretamente a evapotranspiração da floresta [54]. A relação entre a AOD e a evapotranspiração apresenta um comportamento não linear: para concentrações moderadas de aerossóis (AOD entre 0,10 e 1,5), a difusão da radiação solar aumenta a eficiência da fotossíntese, estimulando a transpiração vegetal. No entanto, para valores mais elevados de AOD (>1,5), a atenuação excessiva da radiação reduz a energia disponível para a evapotranspiração, limitando o transporte de vapor d’água para a atmosfera.
A composição dos aerossóis atmosféricos também reflete essas mudanças, especialmente na relação entre o carbono negro (BC) e o carbono marrom (amplamente conhecido pelo termo em inglês, Brown Carbon, BrC). O BC, altamente absorvente em todo o espectro visível e, especialmente, no infravermelho, domina a fração de aerossóis nas regiões mais impactadas pelo desmatamento, como o arco do desmatamento, onde representa cerca de 85–90% da absorção total de aerossóis a 440 nm [34].
Em contraste, o BrC, que absorve preferencialmente em comprimentos de onda mais curtos (entre o ultravioleta próximo e o visível próximo), tem uma contribuição significativamente maior nas áreas de floresta preservada, como a Amazônia Central, chegando a aproximadamente 25%. Essa diferença espacial evidencia o impacto direto das mudanças no uso da terra: à medida que florestas são convertidas em áreas agrícolas, a proporção de BrC diminui e a de BC aumenta, refletindo a predominância das emissões de queima de biomassa sobre os processos naturais de formação de aerossóis orgânicos. Além de intensificar a carga total de aerossóis na atmosfera, essa alteração modifica suas propriedades ópticas e sua interação com a radiação solar, ampliando o efeito de aquecimento na região e mudando os regimes de precipitação.
Além das mudanças locais e regionais causadas pelo desmatamento, queimadas e alterações no uso da terra, a Amazônia também sofre influência de processos atmosféricos de larga escala, incluindo o transporte de aerossóis de regiões distantes. Um exemplo notável é a chegada de partículas provenientes do deserto do Saara e de queimadas na África, que impactam significativamente a composição da atmosfera amazônica [14, 31, 55]. Esses aerossóis transportados a longas distâncias podem modificar as propriedades microfísicas das nuvens, afetar a radiação solar incidente e influenciar os padrões de precipitação na região, exacerbando os impactos das emissões locais.
A poluição atmosférica sobre a Amazônia não se restringe às emissões regionais, mas inclui uma contribuição substancial de aerossóis transportados da África, representando até 60% do BC na estação chuvosa e 30% na estação seca [56]. Essa poluição transcontinental intensifica os impactos já severos das queimadas locais e regionais, alterando a interação dos aerossóis com a radiação solar e possivelmente modificando os ciclos de carbono na floresta. Esses resultados reforçam a necessidade de estratégias coordenadas em nível internacional, combinando esforços para reduzir as emissões de queima de biomassa na América do Sul e na África.
Comentários Finais
Diante das evidências apresentadas, torna-se fundamental reforçar políticas ambientais voltadas para o controle do desmatamento, manejo de áreas degradadas e da poluição atmosférica na Amazônia. O transporte transatlântico de aerossóis e a intensificação das emissões locais de queimadas ressaltam a necessidade de uma abordagem global e integrada para a mitigação dos impactos climáticos na região. Medidas como a fiscalização rigorosa contra o desmatamento ilegal, incentivos a práticas agrícolas sustentáveis e o fortalecimento de acordos internacionais, como o Acordo de Paris e as iniciativas de proteção das florestas tropicais, são essenciais para conter o avanço das emissões de carbono e preservar a função climática da Amazônia.
Além disso, políticas voltadas para a redução de queimadas e o desenvolvimento de modelos climáticos mais precisos, que incluam a variabilidade espacial e temporal das emissões de aerossóis, são fundamentais para uma melhor previsão dos impactos atmosféricos e hidrológicos na região. O futuro da Amazônia depende de ações coordenadas que reconheçam sua importância global e busquem equilibrar conservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico sustentável.
Neste contexto, a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) em novembro de 2025, em Belém do Pará, representa uma oportunidade crucial para a consolidação de acordos internacionais que reforcem o compromisso global com a preservação da Amazônia. A expectativa é que esse evento proporcione avanços significativos na cooperação internacional e na implementação de políticas eficazes para garantir a sustentabilidade desse bioma essencial para a regulação climática do planeta.
Referências
[1] C. Hoorn et al., Amazonia through time: Andean uplift, climate change, landscape evolution, and biodiversity, Science 330(6006), 927 (2010).
[2] F. Wittmann et al., Habitat specifity, endemism and the neotropical distribution of Amazonian white-water floodplain trees, Ecography 36(6), 690 (2013).
[3] J. M. C. Da Silva, A. B. Rylands e G. A. da Fonseca, The fate of the Amazonian areas of endemism, Conservation Biology 19(3), 689 (2005).
[4] M. Goulding, R. Barthem e E. J. G. Ferreira, The Smithsonian atlas of the Amazon (Smithsonian Institution, 2003).
[5] P. Artaxo et al., Tropical and Boreal Forest – Atmosphere Interactions: A Review, Tellus B: Chemical and Physical Meteorology (2022).
[6] E. Heck, F. Loebens e P. D. Carvalho, Amazônia indígena: conquistas e desafios, Estudos avançados 19, 237 (2005).
[7] N. Peralta, Decolonialidade e Saberes Tradicionais em Práticas Científicas na Amazônia, Revista da UFMG 28(3), 89 (2021).
[8] N. C. P. Pinheiro, Relatos históricos dos séculos XVIII e XIX povos indígenas e plantas nas margens do alto rio Tapajós, Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia (42), 186 (2024).
[9] B. Glaser e J. J. Birk, State of the scientific knowledge on properties and genesis of Anthropogenic Dark Earths in Central Amazonia (terra preta de Índio), Geochimica et Cosmochimica acta 82, 39 (2012).
[10] W. I. Woods e W. M. Denevan, Amazonian dark earths: the first century of reports, Amazonian dark earths: Wim Sombroek’s vision 1–14 (2009).
[11] E. G. Neves et al., Historical and sociocultural origins of Amazonian dark earth, Amazonian Dark Earths: Origin Properties Management 29–50 (2003).
[12] C. Steiner et al., Indigenous knowledge about terra preta formation, Amazonian dark earths: Wim Sombroek’s vision 193204 (2009).
[13] P. Artaxo, Working together for Amazonia, Science 363(6425), 323 (2019).
[14] M. L. Pöhlker et al., Long-term observations of cloud condensation nuclei in the Amazon rain forest – Part 1: Aerosol size distribution, hygroscopicity, and new model parametrizations for CCN prediction, Atmospheric Chemistry and Physics 16(24), 15709 (2016).
[15] M. O. Andreae, Aerosols before pollution, science 315(5808), 50 (2007).
[16] O. Boucher e O. Boucher, Atmospheric aerosols (Springer, 2015).
[17] P. Artaxo et al., Atmospheric aerosols in Amazonia and land use change: from natural biogenic to biomass burning conditions, Faraday discussions 165, 203 (2013).
[18] R. d. S. Palácios et al., Long Term Analysis of Optical and Radiative Properties of Aerosols in the Amazon Basin, Aerosol and Air Quality Research 20(1), 139–154 (2020).
[19] M. A. Franco et al., Occurrence and growth of sub-50 nm aerosol particles in the Amazonian boundary layer, Atmospheric Chemistry and Physics 22(5), 3469 (2022).
[20] M. Andreae et al., Carbon monoxide and related trace gases and aerosols over the Amazon Basin during the wet and dry seasons, Atmospheric Chemistry and Physics 12(13), 6041 (2012).
[21] Y. Malhi et al., The regional variation of aboveground live biomass in old-growth Amazonian forests, Global Change Biology 12(7), 1107 (2006).
[22] Y. Malhi, The carbon balance of tropical forest regions, 1990–2005, Current Opinion in Environmental Sustainability 2(4), 237 (2010).
[23] E. Salati et al., Recycling of water in the Amazon basin: an isotopic study, Water resources research 15(5), 1250 (1979).
[24] E. Salati e P. B. Vose, Amazon basin: a system in equilibrium, Science 225(4658), 129 (1984).
[25] A. D. Nobre, O futuro climático da Amazônia, Relatório de Avaliação Científica. São José dos Campos, São Paulo (2014).
[26] C. P. Barber et al., Roads, deforestation, and the mitigating effect of protected areas in the Amazon, Biological conservation 177, 203 (2014).
[27] L. Ferrante e P. M. Fearnside, The Amazon’s road to deforestation, Science 369(6504), 634 (2020).
[28] L. Ferrante, M. B. Andrade e P. M. Fearnside, Land grabbing on Brazil’s Highway BR319 as a spearhead for Amazonian deforestation, Land use policy 108, 105559 (2021).
[29] E. T. Sena, P. Artaxo e A. L. Correia, Spatial variability of the direct radiative forcing of biomass burning aerosols and the effects of land use change in Amazonia, Atmospheric Chemistry and Physics 13(3), 1261 (2013).
[30] J. P. Nascimento et al., Aerosols from anthropogenic and biogenic sources and their interactions – modeling aerosol formation, optical properties, and impacts over the central Amazon basin, Atmospheric Chemistry and Physics 21(9), 6755 (2021).
[31] B. A. Holanda et al., Influx of African biomass burning aerosol during the Amazonian dry season through layered transatlantic transport of black carbon-rich smoke, Atmospheric Chemistry and Physics 20(8), 4757 (2020).
[32] L. de Almeida Viana, M. A. de Menezes Franco e L. V. Rizzo, Variabilidade temporal da concentração de metano na média troposfera e associação com variáveis globais e regionais no nordeste da Amazônia, Revista Brasileira de Sensoriamento Remoto 4(3) (2023).
[33] C. M. Souza Jr et al., Reconstructing three decades of land use and land cover changes in brazilian biomes with landsat archive and earth engine, Remote Sensing 12(17), 2735 (2020).
[34] F. G. Morais et al., Relationship between land use and spatial variability of atmospheric brown carbon and black carbon aerosols in Amazonia, Atmosphere 13(8), 1328 (2022).
[35] M. Teixeira et al., Analyzing and Forecasting the Morphology of Amazon Deforestation, SSRN 5092417 (2025).
[36] L. F. FG Assis et al., TerraBrasilis: a spatial data analytics infrastructure for largescale thematic mapping, ISPRS International Journal of Geo-Information 8(11), 513 (2019).
[37] R. F. Potenza et al., Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil (1970-2021), Observatório do Clima (2023). Disponível em https://www.oc.eco.br/wp-content/ uploads/2023/03/SEEG-10-anos-v4.pdf, acesso em fev. 2025.
[38] Y. Qin et al., Carbon loss from forest degradation exceeds that from deforestation in the Brazilian Amazon, Nature Climate Change 11(5), 442 (2021).
[39] E. L. Bullock e C. E. Woodcock, Carbon loss and removal due to forest disturbance and regeneration in the Amazon, Science of The Total Environment 764, 142839 (2021).
[40] R. J. Brienen et al., Long-term decline of the Amazon carbon sink, Nature 519(7543), 344 (2015).
[41] C. A. Boulton, T. M. Lenton e N. Boers, Pronounced loss of Amazon rainforest resilience since the early 2000s, Nature Climate Change 12(3), 271 (2022).
[42] X. Xu et al., Deforestation triggering irreversible transition in Amazon hydrological cycle, Environmental Research Letters 17(3), 034037 (2022).
[43] X. Xu et al., Climate regime shift and forest loss amplify fire in Amazonian forests, Global Change Biology 26(10), 5874 (2020).
[44] Y. Mu e C. Jones, An observational analysis of precipitation and deforestation age in the Brazilian Legal Amazon, Atmospheric Research 271, 106122 (2022).
[45] Science panel for the Amazon: executive summary, in Amazon Assessment Report 2021, editado por C. Nobre et al. (United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, 2021).
[46] J. A. Marengo et al., Chapter 22: Long-term variability, extremes and changes in temperature and hydro meteorology in the Amazon region, in Amazon Assessment Report 2021, editado por C. Nobre et al. (United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, 2021).
[47] C. A. Nobre e L. D. S. Borma, ‘Tipping points’ for the Amazon forest, Current Opinion in Environmental Sustainability 1(1), 28 (2009).
[48] T. E. Lovejoy e C. Nobre, Amazon tipping point, Science advances 4(2), eaat2340 (2018).
[49] T. E. Lovejoy e C. Nobre, Amazon tipping point: Last chance for action, Science Advances 5(12), eaba2949 (2019).
[50] J. A. Marengo et al., The drought of Amazonia in 2023-2024, American Journal of Climate Change 13(03), 567 (2024).
[51] L. V. Gatti et al., Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate change, Nature 595(7867), 388 (2021).
[52] C. H. Silva-Junior et al., Brazilian Amazon indigenous territories under deforestation pressure, Scientific Reports 13(1), 5851 (2023).
[53] B. N. Holben et al., AERONET—A federated instrument network and data archive for aerosol characterization, Remote sensing of environment 66(1), 1 (1998).
[54] R. Palácios et al., ENSO effects on the relationship between aerosols and evapotranspiration in the south of the Amazon biome, Environmental Research 250, 118516 (2024).
[55] C. Pöhlker et al., Land cover and its transformation in the backward trajectory footprint region of the Amazon Tall Tower Observatory, Atmospheric Chemistry and Physics 19(13), 8425 (2019).
[56] B. A. Holanda et al., African biomass burning affects aerosol cycling over the Amazon, Communications Earth & Environment 4, 154 (2023).
Agradecimentos
Marco Aurélio de Menezes Franco agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), projeto número 407752/2023-4, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), projeto número 2023/04358-9.
Artigo publicado em Cadernos de Astronomia.